Bem meu nome é Ramona Torres, nasci nos idos da década de 60, em Realengo, no Rio de Janeiro num acampamento Kalon, que hoje não existe mais, mas que naquela época era um dos maiores da zona Oeste do Rio de Janeiro, cercada por áreas militares, de muito verde, e muita dificuldade para se viver.

 

Nasci numa família de raiz Kalon Evoriana, meu avo materno Pedro Torres, foi o primeiro de sua família a nascer no solo Brasileiro em Pernambuco em 1913, e nos anos 20, veio ao Rio de Janeiro tentar uma vida melhor e começou a vide de nosso clã por aqui. Veio já aos dezessete anos com a profissão  de moveleiro, e creio que por isso veio para um bairro tradicionalmente conhecido como terra de artesãos. Casei-me dentro da tradição com marido escolhido pela família dos 14 para os 15 anos. Queríamos  conhecer o mundo, a começar pelo Uruguai. Eu sempre gostei de Guaranias (risos), mas acabamos nos decidindo para morar em Ponta Porã, que fica ao extremo Sul do Mato Grosso do Sul (Fronteira Seca). 

 

A Fronteira me enfeitiçava, com seus ventos, cheiros, luares e os fortes invernos na Cidade de Ponta Porã mesmo. Eu fui preparada para casar, como eram e talvez hoje ainda sejam as kalins que moram em cidades com menos recurso, então sabia cozinhar, costurar, dançar, tudo o que nos faz preciosas para ser um bom partido e eu estava dentro destes quesitos.

        

Comecei a ganhar livros e como sempre adorei ler, criou, arraigou em mim um habito, que virou vício, e isso despertou a vontade de poder escrever. Lia e gostava dos clássicos Brasileiros e Portugueses,  e livros de Magia em geral, todos os traduzidos. Nesta época eu já escrevia, sem pretensão, mais para guardar no meu arquivo pessoal.

 

Bem como dizem meus irmãos, eu sempre fui Shuvanni! A Shuvanni, é uma mulher preparada para levar a cultura cigana, para os gadjós e através deste trabalho trazer sua parte para a sobrevivência do acampamento. A Shuvanni fala de sua etnia, magia, através da dança, dos rituais, do ato divino de oracular, de levar seu diferencial por ser cigana e poder através disso, dividir com os seus, os valores arrecadados, através de sua arte. Eu sempre gostei de falar, de mostrar, de vestir, nunca fui tímida para estas ocasiões. Quando criança (uma kalinatinha ainda), levava os recados a outros grupos, falava com  gente de fora, ou já adulta sempre tive a melhor forma de falar, de esclarecer sobre o assunto em questão. 

 

Assim através das leituras dos mais diversos livros, nasceu uma ideia, de escrever livros também.     Comprei, mas com o tempo virou motivo de chacota, uma kalin escritora... Ninguém acreditava.... O Povo da Barraca, tem auto estima no chão, é diferente dos que se dizem durante as festas nos clubes, Brasil afora, mas que não poderiam viver uma vida cheia de dificuldades.

 

Mesmo assim, uma mulher com o signo de Estrela, não podia deixar se levar.  A teimosia e os ventos que me diziam para ir, nunca me enganaram.  Eu sempre me dediquei a Ramasordé. Por gosto, por amor, por acreditar que é o melhor caminho para a perpetuação de nossa raça. Assim fui conquistando a minha estrada.

 

Surgiram pedidos de curso disso e daquilo, que não era tão extenso como hoje, mas me fez pensar numa ramasordé ampliada, porque não? Depois deste acontecimento trabalhei em muitos espaços esotéricos e posteriormente começou a ser chamado de holístico, e me obrigando a me reformular sempre. Trabalhando em mais de um ou dois ao mesmo tempo...

 

Comecei a me ver com olhos de fonte de ramasordé. Já que eu podia (e posso) trazer da realidade que outros não podiam e não podem. Então mergulhei fundo neste mar.  Como não tinha feito antes, revelando e realizando ritos, festas, aos ciganos de alma que hoje fortalecem a Raça Cigana com o seu Amor. Eu vivo para Ramasordé, cada respiro meu é para isso,  virou um vício muito prazeroso.